Há como se prevenir o diabetes tipo 1?

O diabetes tipo 1 é uma doença autoimune, na qual há uma destruição das células beta pancreáticas, produtoras de insulina.

Já há algumas décadas, têm-se descrito vários passos do processo de ativação dos anticorpos, passando pela destruição das células do pâncreas, até a apresentação clínica da doença, o que serve de base para se estabelecer estratégias de prevenção e cura:

  1. A susceptibilidade ao diabetes tipo 1 é herdada por uma série de genes candidatos, sendo os mais importantes relacionados ao complexo HLA, no cromossomo 6. Tal tendência genética é essencial ao desenvolvimento da doença, mas não explica a apresentação todos os casos. Vários indivíduos portadores dos genes de maior risco nunca desenvolvem o diabetes.
  2. A exposição a fatores ambientais desencadeantes altera o sistema imunológico de forma a converter a “susceptibilidade” em “destruição de células beta”. Apesar de várias pesquisas terem sido realizadas na busca dos fatores “gatilhos”, poucos foram os ensaios clínicos. Identificaram apenas alguns fatoras, dentre eles as proteínas do leite de vaca e a deficiência de vitamina D.
  3. A presença dos autoanticorpos indica a progressão para a fase clínica do diabetes. Geralmente, um ou mais anticorpos estão presentes no sangue, dentre os quais os mais frequentes: anticorpo anti-IA2, anticorpo anti-insulina, anticorpo anti-ilhota, anticorpos anti-ácido glutâmico descarboxilase (GAD).
  4. O problema metabólico mais precocemente detectado é a perda da “secreção de insulina de primeira fase”,  em resposta à infusão endovenosa de glicose. Depois, há a fase de intolerância à glicose, que pode ser detectada após a ingestão de uma quantidade determinada de dextrosol (glicose). E logo a fase clínica do diabetes se desenvolverá.
  5. Quando a quantidade de células beta já não é suficiente para se manter a glicemia dentro dos limites normais, o diabetes se desenvolve. Essa fase inclui a “lua de mel”, ou período de remissão, no qual há ainda função residual das células b e uma maior facilidade de se manter o controle metabólico.

Hoje em dia, parece claro o papel destacado que os fatores ambientais têm no desenvolvimento do diabetes mellitus tipo 1. A incidência da doença está crescendo 2 a 5% por ano, em todo o mundo, especialmente nas crianças menores que 5 anos. E essa incidência tem uma enorme variação regional, desde 4/100.000 habitantes/ano na população menor que 14 anos da África e Ásia, até mais de 20/100.000 no Canadá. A Finlândia é o país de maior incidência mundial, com mais de 50 novos casos por 100.000 habitantes ao ano. Existem evidências que populações geneticamente similares (por exemplo, finlandeses e povos carelianos da Rússia) podem ter uma grande discrepância de suas incidência do diabetes. Tais fatores indicariam um importante papel dos fatores ambientais como causa do diabetes tipo 1, já que as causas genéticas não conseguiriam explicar a rapidez dessas mudanças.

O diabetes é 15 vezes mais comum no irmão gêmeo de uma criança diabética, em comparação com a população geral (prevalência de 6% e 0,4%, respectivamente). Então, além de envolver crianças de populações com maior incidência da doença, geralmente os estudos relacionados à prevenção da doença pesquisam crianças irmãs de diabéticos, especialmente os gêmeos idênticos, os quais têm a mesma carga genética, ou seja, a mesma susceptibilidade ao diabetes.

Apesar dos grandes avanços na identificação dos genes implicados no maior risco de desenvolvimento do diabetes, ainda tem-se um avanço discreto nas pesquisas sobre fatores ambientais, os “gatilhos”. Duas hipóteses são as mais estudadas: (1) a hipótese da higiene e (2) a hipótese da aceleração. A primeira se refere à sociedade moderna, na qual há menor exposição precoce aos germes, o que previne o sistema imunológico geneticamente predisposto de se proteger do fenômeno autoimune. Já a hipótese da aceleração sugere que o aumento da incidência de obesidade estressa a célula beta susceptível, acelerando sua morte prematura.

Hoje, o maior fator ambiental estudado é a exposição precoce às proteínas do leite de vaca, o que tem sido relacionada ao desenvolvimento do diabetes tipo 1. Dessa forma, o aleitamento materno, além de todas as conhecidas vantagens, pode proteger contra a ativação do “ataque” autoimune.

Os estudos envolvendo a prevenção do diabetes tipo 1 requerem intervenções em tempos determinados: (1) prevenção primária – evita-se a exposição a determinados fatores ambientais; (2) prevenção secundária ou intervenção – durante a destruição das células b, intervém-se no processo autoimune; (3) prevenção terciária – tenta-se a reversão da perda das células beta, após da apresentação clínica do diabetes tipo 1.

Na prevenção primária (o enfoque deste texto), tem-se estudado principalmente o papel da exposição precoce do leite de vaca. Alguns estudos, ainda em andamento, mostram uma significativa redução dos autoanticorpos após 10 anos de uso de fórmulas lácteas modicadas, em comparação às fórmulas convencionais. Ainda não se tem idéia se essa diferença se traduzirá em uma redução da apresentação clínica do diabetes tipo 1.

Outros complexos estudos ainda estão em andamento, envolvendo fatores nutricionais na gênese do diabetes. Destacam-se a suplementação precoce de ácidos graxos ômega-3; o atraso na introdução do glúten na dieta de crianças com parentes de 1o grau diabéticos; e a suplementação de vitamina D para a prevenção de doenças autoimunes.

Após o estabelecimento pleno do diabetes tipo 1, a única medida para a reversão definitiva da doença seria a reposição fisiológica de insulina, através de um pâncreas artificial ou da restituição das células beta por transplante de ilhotas ou de pâncreas. Por essa razão, o diabetes tipo 1 é tido como uma das principais doenças candidatas ao tratamento com células-tronco no futuro.

No caso de transplante pancreático, o tratamento tem sido aplicado com resultados satisfatórios, especialmente nos casos de transplante renal conjunto (nos diabéticos com insuficiência renal crônica). No entanto, tal opção terapêutica se restringe a grupos selecionados, em geral com muitos anos de diabetes e complicações crônicas graves. Isso se deve, primeiramente, à dificuldade de doadores de órgãos e, principalmente, à necessidade de imunossupressão permanente, com todos os seus riscos e inconvientes, de forma a se evitar a rejeição ao órgão transplantado.

Após todas possíveis intervenções nas etapas de desenvolvimento do diabetes tipo 1, muitas das quais não há resultados positivos e duradouros, resta-nos aguardar melhores desfechos, em relação a todos os programas de prevenção. Apesar de ainda não se ter a comprovação científica da relação direta de alguns fatores na gênese do diabetes, parece-me claro que a recomendação de estímulo ao aleitamento materno exclusivo nos primeiros meses de vida, além da exposição solar associada à suplementação de vitamina D, são medidas de grande impacto na vida da criança e do adolescente como um todo. E com grandes chances de benefícios diretos no desenvolvimento de um sistema imunológico sadio.

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